Trabalho apresentado à disciplina Teoria geral do Direito, do Curso de Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais da Universidad Del Museo Social Argentino, ministrada pelo Professor Dr. Benjamín García Holgado.
RESUMO: Este trabalho teve como objetivo analisar, no âmbito da sociedade atual, os desafios e impedimentos ao avanço da luta pelo Direito, como norma que visa a assegurar a proteção aos seres humanos nas suas relações interpessoais, que definem as regras de convivência, por meio de normas do Direito, como instituto que as ordena, proíbe ou permite. Nessa perspectiva, o Direito visa a proteger e beneficiar a comunidade, os grupos, ou os indivíduos determinados ou indeterminados, por meio de normas, em razão das quais ele existe, pois ele não existe por natureza, mas em decorrência da lei. Viu-se, portanto, que o direito como norma objetiva pode ser visto ou reconhecido pelo Estado que o garante, sob a denominação de direito ‘positivo’; que é o direito institucionalizado pelo Estado.
Palavras–chave: Direito. Normas. Leis. Proteção.
RESUMEN: Este estudio tuvo como objetivo examinar, dentro de la sociedad de hoy, los desafíos y los obstáculos para el avance de la lucha por la ley, por lo general destinadas a garantizar la protección de los seres humanos en sus relaciones interpersonales, que definen las normas de convivencia a través de normas legales, como el instituto en el que ordena, permite o prohíbe. Desde esta perspectiva, la ley tiene por objeto proteger y beneficiar a la comunidad, grupos o individuos, ya sea determinado o indeterminado, a través de normas, basadas en que existe, porque no existe en la naturaleza, sino por la ley. Se ve, pues, que la ley como una lente estándar puede ser visto o reconocido por el Estado se asegura de que, bajo el nombre de la ley "positiva", que se ha institucionalizado por la ley estatal.
Palabras clave: Derecho. Normas. Leyes. Protección.
ABSTRACT: This study aimed to examine, within today's society, the challenges and impediments to the advancement of the struggle for law, as a rule aimed at ensuring the protection of humans in their interpersonal relationships, which define the rules of coexistence through legal norms, as the institute that ordains, permits or prohibits. From this perspective, the law aims to protect and benefit the community, groups or individuals either determinate or indeterminate, through standards, based on which it exists, because it does not exist in nature, but because of the law. It was seen, therefore, that the law as a standard lens can be seen or recognized by the State ensures that, under the name of law 'positive', that is institutionalized by the state law.
Keywords: Right. Standards. Laws. Protection.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 A TEORIA DA RELAÇÃO JURÍDICA. 1.1 Os sujeitos da relação jurídica. 1.2 Unidade do Ordenamento Jurídico. 1.3 A coerência do Ordenamento Jurídico. 1.4 A Completude do Ordenamento Jurídico. 1.5 A eficácia da norma constitucional na positivação do Direito. 1.6 Princípio da unidade da Constituição.1.7 Do efeito integrador. 2 OS DIREITOS HUMANOS. 2.1 Aspectos Históricos. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa os elementos centrais que caracterizam o contexto atual identificando nele os desafios para o avanço da luta pelo Direito, como norma que visa a assegurar a proteção aos seres humanos nas suas relações interpessoais que marcam o convívio humano, as quais são reguladas pelas normas do Direito, como instituto que as ordena, proíbe ou permite. Nesse sentido, o Direito visa a proteger e a beneficiar a comunidade, os grupos, ou os indivíduos determinados ou indeterminados. Pode-se afirmar, portanto, que as relações interpessoais reguladas pelo Direito são conhecidas como relações jurídicas que, segundo Amaral (1998, p. 156), são definidas como “relação social disciplinada pelo direito e, concretamente, é uma relação entre sujeitos, um titular de um poder, outro, de um dever.”
Referindo-se à relação jurídica, Betioli (1996, p.212) a define como um “vínculo entre pessoas, do qual derivam conseqüências obrigatórias, por corresponder a uma hipótese normativa. Campos (1995, p. 125) conceitua a relação jurídica como a “relação da vida disciplinada pelo direito, vinculando o titular do direito subjetivo e o obrigado, relativamente ao objeto ou bem jurídico.”
Percebe-se, portanto, que a relação jurídica pode ser conceituada no plano objetivo ou no subjetivo. No plano objetivo, uma relação jurídica é toda relação social disciplinada pelo direito, enquanto no plano subjetivo ela representa o vínculo entre dois ou mais indivíduos, dotado de obrigatoriedade (BEM, 2004, p. 16). Nessa perspectiva, as situações subjetivas são momentos de uma relação jurídica, frações temporais de uma relação interpessoal regulada pelo Direito.
As relações jurídicas pressupõem a existência de um sujeito ativo e outro, passivo, envolvidos em um ato, devido ou permitido. Nesse caso, o sujeito ativo não é, necessariamente, aquele que pratica o ato, mas aquele que, na situação jurídica, encontra-se na posição subordinante. Simetricamente a este, está o sujeito passivo, aquele que se encontra na posição subordinada, em relação ao ato considerado. A subordinação é estabelecida pelo Direito em benefício de quem pratica o ato, a benefício de terceiro ou da comunidade.
Bem (2004, p. 16) conceitua a relação jurídica como a ligação ente dois ou mais sujeitos em razão de um fato previsto no ordenamento jurídico, em que um dos sujeitos tem o direito de exigir uma prestação e o outro, o dever de cumpri-la. Assim, vê-se que a existência de uma relação jurídica pressupõe o posicionamento de duas ou mais pessoas dotadas de poderes e deveres resultantes das normas jurídicas, daí porque só interessam ao direito as relações que estejam, de alguma forma, previstas em um modelo jurídico.
Fachin (2002, p. 4) refere-se à relação jurídica, definida no Código Civil como um elemento unificador, afirmando que ela apresenta vícios de abstração e generalização, que podem conduzir à exclusão social. Nesse sentido, o autor citado (op. cit.) afirma que,
[...] há divisão entre as relações sociais abrangidas pelo manto jurídico e aquelas que estão excluídas do âmbito da regulação [...] os modelos de relações juridicamente relevantes não poderiam se ater às vicissitudes das relações fáticas [...] o Código Civil é visto como um sistema prêt-à-porter. Mais do que isso, o direito se reduz a essas soluções prévias, se reduz a modelos.
Discordando dessa crítica expressa por Fachin (op. cit.), Bem (2004, p. 17) se justifica ao dizer que a relação jurídica é um fato geral e abstrato, por ser próprio da ciência jurídica, sendo impossível o legislador elaborar normas sem deixar de tutelar certos bens jurídicos, uma vez que sua intenção maior é “regular a vida das pessoas naquilo que elas têm de maior ou mais importante no cotidiano” (BEM, 2004, p. 17).
Quanto à abstração, não há dúvida de que a relação jurídica é um conceito geral e abstrato. Mas isso é próprio de qualquer ciência, por mais concreta que se queira fazê-la, porque é pelo pensamento, necessariamente abstrato, que o homem apreende a realidade, sendo, portanto, abstrata a própria idéia de ‘homem concreto’. Entretanto, algumas relações são reguladas pelo Direito e outras não, o que não caracteriza nenhuma perversidade. Ainda que o número dessas relações seja cada vez menor, é bom que ainda haja relações interpessoais imunes à autoridade do Estado, não havendo nenhuma caracterização de maldade nesses conceitos, mas dependência em relação à natureza do pensamento humano.
1 A TEORIA DA RELAÇÃO JURÍDICA
Em uma relação jurídica, duas pessoas buscam, no ordenamento jurídico, a solução para um conflito em que uma delas requer da outra o cumprimento de uma obrigação que lhe é devida. Nesse sentido, Bem (2004, p. 17) refere que a “relação jurídica é uma relação entre pessoas tuteladas pelo ordenamento jurídico.” Nessa relação, dois requisitos são imprescindíveis para que se evoque a tutela pelo Direito, sendo um de ordem material, que se refere à ligação intersubjetiva e outro de natureza formal, correspondente à hipótese normativa que prescinde uma contenda entre as partes, necessariamente definida nas normas do direito privado.
As relações de direito privado são classificadas em quatro categorias: familiares, sucessórias, obrigacionais e contratuais que apresentam uma semelhança em relação aos elementos externos que nelas estão inseridos: sujeitos, objetos, fatos jurídicos e garantias. Assim, toda relação jurídica corresponde a uma ação com a intenção de assegurar a proteção do Estado aos litigantes, como meio processual.
O sujeito de direito é aquele que participa da relação jurídica, como sujeito ativo, o titular do direito, ou como sujeito passivo, aquele sobre o qual recai o dever de atender a uma norma do direito. O objeto da relação é o bem ou a prestação em que incide o poder jurídico, com a intenção de favorecer o sujeito ativo. O fato jurídico é todo e qualquer acontecimento que gera uma relação jurídica contribuindo com a criação, modificação ou extinção de direitos (BEM, 2004, p. 21).
Para Diniz (2002, p. 229), o fato jurídico é o “acontecimento previsto em norma de direito, em razão do qual nascem, se modificam, subsistem ou se extinguem as relações jurídicas.” Reale (1973, p. 22) define fato jurídico como “todo e qualquer fato que, na vida social, venha a corresponder ao modelo de comportamento ou de organização configurado por uma ou mais normas de direito.” Gomes (2001, p. 127), por sua vez, apresenta sua conceituação de fato jurídico, ao assegurar que ele é “o elemento propulsor da relação jurídica.”
A garantia é outro requisito da relação jurídica, pela qual é assegurada a proteção ao direito ao sujeito, por meio da ação que, na concepção de Beviláqua (1979, p. 319), “é um dos elementos constitutivos do direito que, como tecido tegumentar, protege a parte nuclear do interesse.” Assim, a garantia é um meio que leva o sujeito a reagir com a ajuda dos aplicadores do direito, quando se sentir desrespeitado em seus direitos e pretensões, conforme referido por Santos (1964, p. 231), quando esclarece que “o sujeito deixa a atitude de tranquilidade em que permanece, para se por em movimento, uma vez que seja violado o seu direito ou pretensão.”
Para Monteiro (1968, p. 16), o princípio consagrado na lei, segundo o qual a todo direito corresponde uma ação que o assegura, “não é, senão, o próprio direito no esforço da própria conservação integral.”
1.1 Os sujeitos da relação jurídica
Para que um sujeito seja considerado sujeito de direito, é necessário que seja reconhecido como capaz para exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. Sobre essa capacidade, Beviláqua (1979, p. 110) assim se refere: “a capacidade é a manifestação do poder de ação implícito no conceito de personalidade.” Assim, concebe-se a capacidade como a medida da personalidade de um sujeito.
A capacidade pode assumir dois aspectos: capacidade de gozo ou de direito e a capacidade de exercício ou de fato. A capacidade de gozo é abstrata e todos os indivíduos a possuem em decorrência do princípio da igualdade (BRASIL, 2002, Artigo 1º.) e não podem ser privados dela pelo ordenamento jurídico. Outro aspecto é a capacidade de exercício ou de fato que concede aos indivíduos a possibilidade de praticar atos jurídicos que tenham valor econômico.
A incapacidade de exercício não suprime a capacidade de gozo, mesmo no caso dos incapazes, cuja capacidade de ser sujeito de direito não lhes é negada, podendo exercer seu direito por meio de representação (BEM, 2004, p. 24).
Sobre isso, Diniz (2002, p. 141) refere que “o instituto da incapacidade visa a proteger aos que são portadores de uma deficiência jurídica apreciável.” Os absolutamente incapazes são os menores de dezesseis anos; aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o discernimento necessário a exercer atos da vida social, sendo reconhecidas como portadoras de doença ou deficiência mental permanente; os que, por deficiência mental, tenham seu discernimento reduzido, excetuando-se os eventualmente drogados ou alcoolizados; os pródigos. [1]
São relativamente incapazes, as pessoas impossibilitadas de expressar sua vontade em razão de causas transitórias; os ébrios ou alcoólatras e os viciados em tóxicos. A idade avançada não impossibilita o exercício de atos normatizados pelo direito, a não ser nos casos em que sejam comprovadas alterações que coloquem o idoso em discrepância com os padrões da normalidade. As pessoas consideradas relativamente incapazes necessitam de um assistente para acompanhá-los em certos atos da vida civil, sob pena destes serem considerados nulos.
A proteção aos absolutamente incapazes se dá pela representação, enquanto os relativamente incapazes são protegidos pela assistência legalmente constituída ou por medidas tutelares previstas pelo código penal ou pelas leis extravagantes (BEM, 2004, p.31).
Uma pessoa reconhecida como incapaz precisa ser submetida à interdição, de acordo com o artigo 1.177 e seguintes do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), que define a interdição como um ato judicial, pelo qual é declarada a incapacidade de determinada pessoa privada de discernimento para a prática de certos atos da vida civil, sendo-lhe nomeado um representante, geralmente escolhido dentre seus parentes muito próximos. A incapacidade cessará quando sua causa for eliminada, como é o caso do menor de dezesseis anos, ao alcançar a maioridade, ser emancipado por seus pais, ou se for comprovado o término de uma doença mental incapacitante (BEM, 2004, p.31).
A personalidade é um atributo jurídico capaz de caracterizar ou individualizar uma pessoa física ou jurídica, capacitando-a a se tornar sujeito ativo ou passivo de direitos. Para Miranda (1999, p. 154), “ser pessoa constitui a possibilidade de ser sujeito de direito. [...] a personalidade é um bem juridicamente relevante e de interesse central no ordenamento jurídico.”
O início da personalidade natural é explicado por três teorias: a teoria natalista, segundo a qual só é sujeito de direitos aquele que nasceu vivo. Pela teoria da personalidade condicional, afirma-se que a personalidade jurídica começa com o nascimento do ser vivo, estando, entretanto, os direitos do nascituro sujeitos a uma condição suspensiva, portanto, sujeitos à condição, termo ou encargo. Ao ser concebido o nascituro poderia titularizar alguns direitos extrapatrimoniais, como, por exemplo, à vida, mas só adquire completa personalidade quando implementada a condição de seu nascimento com vida. A teoria concepcionalista sustenta que o nascituro é pessoa humana desde a concepção, tendo direitos resguardados pela lei. Assim, ele é sujeito de personalidade plena desde a concepção e mesmo antes de seu nascimento (MIRANDA, 1999).
Nesse sentido, o nascituro pode ser considerado como autor de pedido de reconhecimento de paternidade, sendo representado por sua mãe (BEM, 2004, p. 40-41).
A personalidade civil, entretanto, só se inicia com o nascimento, colocando-se a salvo os direitos do nascituro. Com o nascimento sem vida, a pessoa não adquire a personalidade. Por outro lado, a personalidade se extingue com a morte, quando também se extingue a aptidão para figurar como titular de direitos e deveres, pondo-se fim às relações personalíssimas das quais o falecido era titular (BEM, 2004, p. 43).
O art.16 da Lei n.10.406, de 10.01.2002, enaltece o direito, agora positivado, segundo o qual cada pessoa física tem, entre outros direitos da personalidade, o de possuir o prenome e o nome e por eles ser identificada. No direito ao nome, o bem jurídico tutelado é a identidade.
Para França (1964, p. 183):
O nome, de modo geral, é elemento indispensável ao próprio conhecimento, porquanto é em torno dele que a mente agrupa a série de atributos pertinentes aos diversos indivíduos, o que permite a sua rápida caracterização e o seu relacionamento com os demais. De circunstâncias que tais, não discrepa o nome civil das pessoas físicas, porque é através dele que os respectivos titulares são conhecidos e se dão a conhecer.
A garantia do direito ao nome já era um tema acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, ressaltando e respeitando o direito ao nome como elemento da identidade e, conseqüentemente, parte dos direitos da personalidade.
Vê-se, portanto, que o Direito que rege e controla as relações humanas define regras com a finalidade de normatizar a vida em sociedade. Juridicamente, essas regras expressam o modo de proceder, a conduta imposta no texto legal. Impõem, portanto, um preceito geral, que deve ser executado, sem restrições. Dentre os vários tipos de regras temos a regra de direito que é a denominação genérica dada a todo princípio fundamental de direito e que formula um princípio cardeal de direito ou uma norma jurídica fundamental, como preceito dominante e indiscutível.
1.2 Unidade do Ordenamento Jurídico
A palavra regra vem do Latim ‘regula’, derivada de regere (dirigir, reger), seria algo destinado a servir de modo, forma ou ordem para que sejam executados os atos. Manifesta a regra, a pauta a ser seguida na execução de um ato ou serve para definir a "linha indicativa da ordem ou do modo de proceder".
Sobre isso, Silva (1996), expressa uma pertinente distinção entre regra e norma: a regra é um preceito tutelador de situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, reconhecendo, a faculdade de as pessoas ou entidades realizarem certos interesses, por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem enquanto as normas vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.
Outro posicionamento significativo a respeito da norma jurídica é o de Korkounov (1914), segundo o qual a norma se caracteriza como uma limitação de interesses, fixando o limite entre o direito e o não-direito. Tal conceito é respeitado por englobar os campos de juridicidade e, sob o aspecto negativo, não vincular a essência da norma à origem estatal, não condicionando sua obrigatoriedade ao poder institucionalizado, ou coação.
Como conclusão da Hermenêutica dos princípios, a noção de que os princípios são normas e as normas compreendem os princípios e as regras foi integralmente aceita por vários juristas como Alexy (1985), Esser (1964) e outros. Nesse sentido, é reconhecida a função normativa dos princípios, figurando como parte jurídica e dogmática do sistema de normas, como ponto de partida que se abre ao desdobramento judicial de um problema (DWORKIN, 2003).
Considera-se, assim, a acepção de princípios como máximas doutrinárias ou guias do pensamento jurídico, com a possibilidade de se tornarem normas de Direito Positivo. Podem os princípios, segundo a doutrina, assumir a feição de ideias norteadoras, que se concretizarão na lei e na jurisprudência, ou de ‘lex’ cristalizando-se em regras jurídicas de aplicação imediata, sendo estas, as únicas tidas como norma.
Os princípios gerais funcionam como vínculo que constituem um sistema, uma vez que o princípio também é norma, em sentido abstrato, aliás, uma espécie da norma primária, que expressa a vontade da sociedade, na base do sistema. Com Dworkin (2003), os princípios passam a ser definitivamente considerados como as normas e valores mais comuns nas constituições, tendo, por isso, eficácia suprema. Desse modo, fica resolvido, de uma vez, o conflito entre princípio e norma, passando esta a ser gênero do qual os princípios e regras são espécies.
Os princípios passaram, então, a ser distinguidos das regras, mas não, das normas: o primeiro critério de distinção é o da generalidade, pois, os princípios são dotados de alto grau de generalidade relativa, ao passo que, as regras possuem baixo grau de generalidade. Segundo Alexy (1985), a distinção mais correta se dá no âmbito de graduação unida à qualidade. Nesse plano, os princípios têm sua medida de execução na dependência das possibilidades fáticas e jurídicas, enquanto que as regras devem ser cumpridas em seu conteúdo.
Tal questão entre princípio e normas se torna mais nítida nos conflitos de princípios e de regras. No conflito de regras, deve-se introduzir uma cláusula de exceção ou tornar nula uma das regras, situando, tal assunto, no âmbito da validade. Já no conflito de princípios, não há nulidade de princípio, havendo, apenas, uma preponderância do princípio de maior peso jurídico, porque se todo princípio pode estar presente em um conflito, deve possuir validade, o que coloca tal contradição num plano essencialmente valorativo.
Segundo Bobbio (1996), o ordenamento jurídico caracteriza-se pela sua plenitude, coerência e unidade, sendo essa última característica a mais relevante para que se tenha uma nítida interpretação de um ordenamento como um todo, pois este é composto por uma infinidade de normas que devem ser observadas como partes de um todo, não podendo, portanto, serem interpretadas isoladamente.
Ao se analisar essa característica, distinguem-se os ordenamentos em simples e complexos, caso as normas derivem de uma só fonte, ou de mais de uma. Os ordenamentos mais comumente relatados pelos historiadores do direito ou pelos juristas são complexos, como se estivéssemos em um grupo familiar, cuja fonte das regras de conduta dos seus membros não fosse, unicamente, a autoridade paterna. Bobbio (op. cit.) ainda vai além, em suas exemplificações, quando diz que, nem mesmo em uma concepção teológica do universo, as leis que regem o cosmo são derivadas todas de Deus, pois ele delegou aos homens a faculdade de produzir leis para regular sua conduta, atendendo aos ditames da razão (Direito Natural), ou de vontades superiores (Direito Positivo) (BOBBIO, 1996).
O ordenamento jurídico necessita de inúmeras regras de condutas, para manter a harmonia dentro da sociedade, o que jamais pode conseguir, a não ser por um ordenamento complexo e pleno, para cuja formação o poder supremo recorre, geralmente, não só às fontes diretas como às indiretas (fontes reconhecidas e delegadas), tornando-se, assim, complexo .
Como exemplo de fonte reconhecida tem-se o costume que, nos ordenamentos estatais modernos, é a fonte direta e superior da Lei, cujo uso acontece quando o Legislador atém-se expressamente ao costume, numa situação particular, ou ainda, de forma expressa ou tácita, nas matérias não reguladas pela Lei (Cosuetudo Praeter Legem) em que o Legislador acolhe normas jurídicas já feitas, enriquecendo o ordenamento.
O costume pode, ainda, ser colocado como uma fonte delegada, como acontece quando se tem o costume como uma autorização aos cidadãos para produzir normas jurídicas, através do seu comportamento uniforme. Nessa perspectiva, os usuários recebem uma qualificação de órgão estatal com autoridade para produzir normas jurídicas com seu comportamento uniforme. Deve-se observar uma significativa distinção entre a recepção e a delegação: enquanto, na primeira, o ordenamento acolhe um preceito já elaborado, na outra, manda fazê-lo.
Outra fonte de normas de um ordenamento jurídico é o poder atribuído aos particulares, de regular, mediante atos voluntários, os próprios interesses: trata-se do chamado ‘poder de negociação’. O enquadramento dessa fonte na classe das fontes reconhecidas ou na das delegacias não é nítido. Coloca-se em destaque a ‘autonomia privada’, que é a capacidade dos particulares atribuírem normas a si próprios, em certa esfera de interesses.
Considerando-se os particulares como constituintes de um ordenamento jurídico menor, absorvido pelo ordenamento estatal, essa vasta fonte de normas jurídicas é concebida, como produtora independente de regras de conduta que são aceitas pelo Estado. Se o acerto, no poder de negociação, for colocado como delegado pelo Estado aos particulares, para regular os próprios interesses, em um campo estranho ao interesse público, a mesma fonte aparece como fonte delegada.
Nesse sentido, entende-se que, em cada ordenamento, o ponto de referência último de todas as normas é o poder originário, único que justifica o ordenamento e funda a unidade do mesmo. Como não se está diante de um ordenamento simples, mas em um ordenamento cujas normas afluem através de vários canais, pode-se dizer, conforme Bobbio (1996), que essa complexidade depende historicamente de suas razões fundamentais:
a) um ordenamento novo nunca elimina completamente as estratificações normativas que o precederam, como normas morais, sociais, religiosas, usuais, consuetudinárias, regras convencionais. Portanto, através de um reconhecimento expresso ou tácito, do novo ordenamento, essas regras precedentes passam a fazer parte deste e, assim limita-o, como se fosse um limite externo do poder soberano.
b) O poder originário cria, ele mesmo, novas centrais de produção jurídica, como ocorre quando surgem as resoluções, os regulamentos, as normas adaptadas às necessidades locais, os negócios jurídicos, todos produzidos por centrais. Nesse caso, há uma multiplicação das fontes distintas da primeira, na qual não haveria uma derivação de uma limitação exterior, mas sim, de uma autolimitação do poder soberano, como um tipo de limite interno que acontece quando o poder soberano subtrai a si próprio, o poder normativo para dá-lo a outros órgãos ou entidades.
Bobbio (1996) ainda considera de elementar importância o conhecimento das fontes do Direito, a construção escalonada do ordenamento, os limites materiais e os limites formais, a norma fundamental e a distinção entre Direito e Força, exatamente por considerar a unidade como característica do ordenamento jurídico.
No entanto, Canotilho (1994), quando se refere ao valor determinante dos princípios, normas, fins e tarefas constitucionais, cita a unidade da constituição como um tópico categorial de certa utilidade, quando, com ela, se quer significar a unidade do texto constitucional, unidade hierarquicomaterial de todos os preceitos constitucionais e unidade de sua estrutura normativa (MÜLLER apud CANOTILO, 1994, p. 92 e 170).
Canotilho (op. cit.) defende o princípio da unidade como a expressão da positividade da constituição, com base no pensamento de Bobbio (1996), ao referir-se ao sentido útil da unidade na interpretação sistemática dos preceitos constitucionais e da tarefa de concordância prática (CANOTILHO, 1994, p. 268).
1.3 A coerência do Ordenamento Jurídico
O ordenamento jurídico constitui um sistema, um conjunto de partes que se integram, ou seja, as normas que o compõem devem estar relacionadas entre si determinando a coerência do ordenamento jurídico. Esse relacionamento entre as normas deve ser um relacionamento de compatibilidade, não se podendo falar em totalidade ordenada, em um conjunto de normas no qual duas normas contraditórias sejam ambas legítimas. Assim, em um sistema jurídico, a admissão do princípio que exclui a incompatibilidade tem por consequência, em caso de incompatibilidade de duas normas, não a queda de todo o sistema, mas somente de uma das duas normas ou, no máximo, das duas.
Mesmo com o Direito visando à coerência, há as antinomias, devido não se conseguir superar os obstáculos epistemológicos. Entende-se por antinomia jurídica aquela situação que se verifica entre duas normas incompatíveis pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade.
As antinomias, assim definidas, podem ser:
a) Total-total à Se duas normas incompatíveis têm igual âmbito de validade, em parte, igual e, em parte, diferente.
b) Parcial-parcial à Se duas normas incompatíveis têm âmbito de validade, em parte, igual e, em parte, diferente.
c) Total-parcial à Se duas normas incompatíveis, uma têm um âmbito de validade igual ao da outra, porém mais restrito.
Devido à tendência de cada ordenamento jurídico se constituir em sistema, a presença de antinomias em sentido próprio é um defeito que o intérprete tende a eliminar. Assim, a jurisprudência elaborou algumas regras para a solução das antinomias. Essas regras, porém, não servem para resolver todos os casos possíveis de antinomia. Essas antinomias, às quais não se pode aplicar nenhuma das regras, são chamadas de reais e as outras, de aparentes. As regras para a solução das antinomias aparentes ou solúveis são três:
a) Critério Cronológico: à Entre duas normas incompatíveis prevalece a norma posterior.
b) Critério Hierárquico: à Entre duas normas incompatíveis prevalece a hierarquicamente superior, isto é, as normas superiores podem revogar as inferiores.
c) Critério da Especialidade: à Entre duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial, prevalece a segunda, pois a lei especial é aquela que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente. Essas são as antinomias de primeiro grau.
Quando acontecer de duas normas compatíveis manterem, entre si, uma relação em que se podem aplicar concomitantemente, não apenas um, mas dois ou três critérios, tem-se a antinomia de segundo grau, segundo três critérios:
I. conflito entre Critério Hierárquico e o Cronológico à O Critério Hierárquico prevalece sobre o cronológico, o que tem por efeito fazer eliminar a norma inferior, mesmo que posterior;
II. conflito entre o Critério de Especialidade e o Cronológico à a lei geral, sucessiva, não tira do caminho a lei especial precedente;
III. conflito entre o Critério Hierárquico e o de Especialidade à neste caso, não existe uma regra geral consolidada e a solução depende do intérprete, apesar de que, teoricamente, deveria prevalecer o Critério Hierárquico.
As antinomias reais são aquelas entre duas normas contemporâneas, devendo estar no mesmo patamar do ordenamento jurídico e na mesma hipótese de incidência. Quando se tem uma norma que obriga e outra que proíbe, deve-se criar uma terceira norma que permite.
Essa antinomia é por contrariedade. Quando se tem uma norma de permissão e proibição, ou permissão e obrigação, não há solução prévia, mas depende do intérprete. Essa antinomia é por contratoriedade.
A coerência não é, portanto, condição de validade, mas é sempre condição para justiça do ordenamento. É evidente que quando duas normas contraditórias são ambas válidas e pode haver, indiferentemente, a aplicação de uma ou outra, conforme o livre arbítrio daqueles que são chamados a aplicá-las, são violadas duas exigências: a exigência da certeza e a exigência das justiças. Onde existe duas normas antinômicas ambas válidas e, portanto, ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, nem a justiça.
1.4 A Completude do Ordenamento Jurídico
Entende-se por completude a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular cada caso. De fato, pode-se demonstrar que, nem a proibição, nem a permissão de certo comportamento são dedutíveis do sistema incompleto, deixando uma lacuna no ordenamento jurídico.
O dogma da completude nasce, provavelmente, da tradição romântica medieval, dos tempos em que o Direito romano era considerado como o Direito por excelência. Esse dogma consiste em assegurar que o juiz deve julgar permanecendo sempre dentro do sistema pré-estabelecido. A miragem da codificação é a completude: uma regra para cada caso. O código é para um juiz um prontuário que lhe deve servir infalivelmente e do qual não se pode afastar. Pode-se, ainda, dizer que a afirmação do dogma da completude de Direito se efetiva por parte do Estado.
Ao longo do tempo, começou a reação ao fetichismo legislativo e, ao mesmo tempo, o dogma da completude, que tem como um dos maiores representantes Eugen Ehrlich (1993). Os sustentadores da nova escola do Direito livre afirmam que o Direito constituído está cheio de lacunas e, para preenchê-las, é necessário confiar, principalmente, no poder criativo do juiz. Esse novo pensamento recebeu forte influência da sociologia, que via o Direito livre como um fenômeno social, o que equivale dizer que o Direito livre tirava as consequências, não somente da lição dos fatos, mas também da nova consciência, que o desenvolvimento das Ciências Sociais ia difundindo, da importância da aparência das forças sociais latentes no interior da aparente estrutura granítica do Estado: assim, lição dos fatos e maturidade científica se ajudavam mutuamente a combater o monopólio jurídico do Estado e, com isso, o dogma da completude.
Os juristas tradicionais passaram ao contra-ataque, cujo efeito foi que o problema da completude passou de uma fase dogmática a uma fase crítica. O primeiro argumento usado foi o que se chama de espaço jurídico vazio, como um caso regulado pelo Direito e, então, é um caso jurídico ou juridicamente relevante, ou não está regulado pelo Direito e, então, pertence àquela esfera de livre desenvolvimento da atividade humana, que é a esfera do juridicamente irrelevante. Não há lugar para lacuna do Direito, então essa teoria sustentou que não há lacunas porque, onde falta o ordenamento jurídico, falta o próprio Direito. Assim, deve-se falar, mais propriamente, de limites só ordenamento jurídico do que de lacunas.
A segunda teoria sustenta que não há lacunas pela razão inversa, pois o Direito nunca falta. Existe uma norma que determina algo especificado, chamada de norma particular, e uma norma geral exclusiva, uma regra que inclui os comportamentos que não sejam aqueles previstos pela norma particular. Surgiu, assim, a norma geral inclusiva, segundo a qual, no caso de lacuna, o juiz deve recorrer às normas que regulam casos parecidos ou matérias análogas. Desse modo, não só parece impossível excluir as lacunas, uma vez que uma lacuna se verifica pela falta de um critério para a escolha de qual das duas regras gerais, a exclusiva ou a inclusiva, deve ser aplicada.
Não há somente o sentido de lacuna visto anteriormente, mas entende-se, também, por lacuna, não a falta de uma solução qualquer que seja ela, mas de uma solução satisfatória. Essa lacuna não deriva da consideração do ordenamento jurídico como ele é, mas da comparação entre o ordenamento jurídico, como ele é e deveria ser, sendo chamada de lacuna de ‘ideológica’, para distingui-la daquela que eventualmente se encontra no ordenamento jurídico como ele é, e que se pode chamar de lacuna ‘real’.
Existem outros tipos de lacunas. A lacuna prévia é a lacuna do sistema, completável por ordem do intérprete. A lacuna imprópria advém da comparação do sistema ideal, e é completável somente pelo legislador. Quando se diz que um sistema está incompleto, diz-se em relação às lacunas próprias e não, às impróprias.
As lacunas se distinguem, quanto aos motivos que a provocaram, em subjetivas e objetivas. As subjetivas são aquelas que dependem de algum motivo imputável do legislador e podem dividir-se em voluntárias, aquelas que o legislador deixa de propósito, quando a matéria é muito complexa, confiando na interpretação do juiz e involuntárias, aquelas que dependem de um descuido do legislador. As objetivas são aquelas que dependem do desenvolvimento das relações sociais, de todas as causas que provocam um envelhecimento dos textos legislativos.
Outra distinção é entre lacunas praeter legem, que existem quando as regras expressas, para serem muito particulares, não compreendem todos os casos que podem apresentar-se a nível dessa particularidade. Intra legem existem quando as normas são muito gerais e revelam, no interior das disposições dadas, vazios ou buracos que caberá ao intérprete preencher.
Há dois métodos diferentes para completar um ordenamento jurídico, segundo Carnelutti (2010): a autointegração e a heterointegração. O primeiro método consiste na integração cumprida através do mesmo ordenamento, no âmbito da mesma fonte dominante, sem recorrência a outros ordenamentos e com o mínimo recuo em relação a fontes diversas da dominante.
O segundo método consiste na integração operada através de recurso a ordenamentos diversos, ou de recurso a fontes diversas daquela que é dominante, nesse caso a lei. O tradicional método da heterointegração, mediante recurso a outros ordenamentos, consistia, no que se refere à obrigação do juiz, de recorrer, em caso de lacuna, ao Direito natural.
Durante o predomínio das correntes jusnaturalísticas, a função constante do Direito Natural, foi preencher as lacunas do Direito positivo. Mas esse pensamento, não excluía a possibilidade de, um dado ordenamento, recorrer, para operar a própria integração, a outros ordenamentos positivos.
No que diz respeito ao recurso a outras fontes, diversas da que é dominante, cuja fonte predominante é a Lei, a heterointegração assume três formas: recurso ao costume, considerado como fonte subsidiária da Lei, ao poder criativo do juiz e à opinião predominante na doutrina.
O método de autointegração apoia-se, particularmente, em dois procedimentos: na analogia, procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante, e nos princípios gerais do Direito que, frente ao problema da completude, segue o princípio de que o juiz deve julgar cada caso mediante uma norma pertencente ao sistema; assim, a completude é uma necessidade e uma condição necessária para o funcionamento do sistema.
1.5 A eficácia da norma constitucional na positivação do Direito
A eficácia da norma constitucional envolve o problema das fontes jurídicas, do conflito normativo e da sistematização do Direito, pois ela sobrepõe todas as outras normas que compõem o ordenamento jurídico normativo e prescreve como se devem produzir outras normas, daí ser uma autêntica sobrenorma, por tratar do conteúdo ou das formas que a norma deve conter. As normas constitucionais são preceitos do controle do poder, constituindo diretivas ao órgão competente para, ao aplicá-las, criar outras normas que sejam com elas compatíveis.
A questão da eficácia constitucional é decorrente da Revolução Francesa que possibilitou a consolidação de condições sócio-políticas e jurídicas. A soberania nacional, no âmbito interno correspondente à efetividade da força pela qual as determinações da autoridade são observadas e tornadas de observância incontornável, mesmo diante da coação; num âmbito externo indica a não-rejeição a determinações de outros centros normativos, isso no sentido negativo.
Ao conceito de soberania estão conexos os do caráter originário e absoluto do poder soberano. A teoria da separação de poderes de Montesquieu, protegendo os indivíduos contra a tirania do poder, não só originou a concepção de Poder Judiciário, com caracteres próprios e autônomos, mas veio, também, garantir uma divisão entre política e Direito, regulando a legitimidade da influência da administração, aceitável no legislativo, em parte no Executivo e neutralizada no Judiciário, dentro dos quadros do Estado e Direito. A separação dos poderes veio a limitar os poderes e garantir as liberdades políticas, e ela.
A separação dos poderes é uma condição sociopolítica do Estado contemporâneo, pois sua ausência poderia por em dúvida a existência de uma organização política compatível com o modo de vida correspondente à democracia. A divisão dos poderes está internamente ligada ao exercício do poder e ao seu controle pelo povo.
Constitui peça essencial na configuração do problema da eficácia, a supremacia da norma constitucional, como fonte juridicoformal, que dá forma ao Direito e é o modo pelo qual ele se manifesta e mediante o qual o jurista conhece e descreve o fenômeno jurídico. As fontes formais são meios que traduzem as normas em palavras para facilitar o seu conhecimento pelo jurista, como processo ou meio pelo qual a norma jurídica se positiva com vigência e eficácia.
O controle da constitucionalidade se efetiva através do Poder Judiciário, para garantir a supremacia à Lei Maior, sobre quaisquer atos legislativos, governamentais ou administrativos, constituindo-se numa técnica de limitações dos poderes, que não podem subtrair-se aos comandos constitucionais e à concepção da ordem jurídica como sistema. Nesse caso, o Direito não é um sistema jurídico, mas uma realidade que pode ser concebida de forma sistemática, pela Ciência do Direito.
As ideias de supremacia da Constituição e de controle da constitucionalidade estão ligadas à de rigidez constitucional, pois a constituição só poderá ser alterada por meio do processo especial que ela mesma prevê. Dessa forma, presencia-se a positivação do Direito, que se refere à contingência de todo e qualquer direito à positivação, e o fenômeno em que todas as valorações, regras e expectativas de comportamento, na sociedade, têm de ser filtradas antes de adquiriram validade jurídica, mediante processos didáticos formais, éticos ou fáticos. A Constituição precisa estar de acordo com as condições sociais e políticas, pois ela não pode ficar imutável.
A eficácia da norma constitucional dá respeito às condições fáticas e técnicas da alteração da norma jurídica ao sucesso, ao fato de se saber os destinatários da norma ajustam, ou não, seu comportamento em maior ou menor grau, às prescrições normativas, ou seja, se cumprem, ou não, os comandos jurídicos, se os aplicam ou não.
A eficácia, que implica a produção de efeitos, supõe a existência jurídica da norma, requerendo seu nascimento em certa data, que é a de sua publicação, a partir da qual se pode dizer que ela entra em vigor e tem força vigilante. Há casos em que a norma pode ter vigência e não ter eficácia; a recíproca também ocorre, pois pode, às vezes, ter eficácia sem ter vigência, mas a ineficácia não afeta à vigência e, além disso, a norma pode estar em vigor e não ter eficácia.
A validade real da norma ocorre quando se impõe para a solução de um conflito de interesses, em virtude de uma resposta de um autor nos quadros argumentados de uma doutrina. Aprecia-se essa validade quando se discute a questão da doutrina como fonte jurídica. Refere-se à validade ideal, a discussão sobre legitimidade do direito, por ter relevância doutrinária. A legitimidade pode ser entendida, em um sentido ampliativo e ideológico, como a validade ética ou fundamento axiológico do direito, cuja finalidade é implantar uma ordem justa na vida social.
A norma constitucional será legítima se advier de um título legítimo do poder constituinte. A Constituição de 1988 surgiu de um ato decisório do poder constituinte, pela convocação da Assembleia, logo, em parte, é legítima, por exprimir a vontade política. O povo se autogoverna, mas não pode exercer diretamente o poder, ele pode exercer seu exercício à Assembleia Constituinte, ou seja, ao grupo no qual se encarna a idéia de direito num dado momento. A Norma Constitucional, para ser legítima, corresponde aos ideais e aos sentimentos de justiça da comunidade que rege.
Segundo o critério extranormativo, a eficácia e a qualidade da norma vigente têm de ter a possibilidade de produzir, concretamente, seus efeitos jurídicos, não só em suas relações internormativas, mas também, relativamente à realidade social, aos valores positivos e ao seu elaborador e destinatários. A eficácia jurídica, nas relações internormativas, será efetiva, se a Norma Constitucional correspondente tiver condições de aplicabilidade. A eficácia jurídica indica a mera possibilidade de aplicação de norma.
Juridicamente, a aplicabilidade da norma constitucional depende de saber se a norma é vigente, legítima e se tem eficácia. A norma só será aplicável se for eficaz, capaz de produzir seus próprios efeitos jurídicos. A norma constitucional será sintaticamente eficaz se apresentar as condições técnicas de sua atuação, ou de aplicabilidade.
1.6 Princípio da unidade da Constituição
É possível, ao estudioso do Direito Constitucional, encontrar pontos aparentemente divergentes no texto positivado de uma Lei Maior. Esses aparentes ‘pontos de tensão’ devem merecer especial cuidado do estudioso intérprete, de modo a acomodar, em foco único, para evitar possíveis distorções que levariam a uma exegese de hipervaloração de um princípio em relação a outro, o qual não se conflitua com nenhum outro, em leitura da principiologia constitucional em acepção lata.
Sobre isso, Canotilho (1994) refere que o princípio da unidade hierarquiconormativa significa que todas as normas contidas numa Constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra e infraordenação constitucional.
Nesse sentido, a Constituição é o elo de ligação entre os vários princípios os quais se apoiam e devem completar-se mutuamente. A ideia de unidade da ordem jurídica se irradia a partir da Constituição e sobre ela também se projeta (BARROSO, 2009).
No bojo de uma sociedade plural emergem várias vertentes ideológicas e religiosas. Nesse confronto de ideias e de interesses, surge o consenso norteador sobre o qual se funda o texto constitucional. A Constituição não pode ser formada de peças que destoam entre si, mas que se completam de forma harmônica e interativa. Embora alguns autores façam alusão ao tema, Canotilho (1994) rejeita a tese das antinomias normativas bem como a tese das normas constitucionais inconstitucionais.
1.7 Do efeito integrador
Ao se resolverem os problemas jurídicos constitucionais, devem-se utilizar critérios que beneficiem a integração política e social e o esforço da unidade política, conduzindo a sociedade e o Estado a soluções pluralisticamente integradoras, no momento em que não assenta numa concepção integracionista destes. São princípios de integração a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades e a busca do peno emprego.
A defesa do consumidor é um dos direitos coletivos constantes do artigo 5° da Constituição, bem como princípio da ordem econômica. A defesa do meio ambiente, pela sua relevância, é capítulo constante da Constituição Federal de 1988 e tendo sido elevada no nível do princípio da ordem econômica, sua atuação reflete-se na atividade produtiva, ao condicioná-la à ecologia, podendo inclusive haver a interferência do poder público.
A redução das desigualdades regionais e sociais, além de princípio da atividade econômica, é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Por um lado, os direitos sociais e os mecanismos da seguridade social são direcionados em busca de um sistema que proporcione mais agilidade no atendimento às necessidades da sociedade e, por outro lado, à preocupação com a solução das desigualdades regionais, prevendo mecanismos tributários e orçamentários.
A busca do pleno emprego é um princípio diretivo da economia que se opõe às políticas recessivas. Trata-se de pleno emprego da força de trabalho capaz, no sentido de propiciar emprego àqueles que estão em condições de desempenhar uma atividade produtiva. Almeja-se que o trabalho seja a base do sistema econômico, receba o tratamento de principal fator de produção e participe do produto da riqueza e da renda em proporção da sua posição na ordem econômica, harmoniza-se, assim com a regra de que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano. Interpretação é a reconstrução do conteúdo da lei, sua elucidação, de modo a operar-se uma restituição de sentido ao texto viciado ou obscuro.
A interpretação constitucional é, sem dúvida, aquela que se prende aos ordenamentos estatais dotados de Constituição rígida, onde o jornalismo da produção jurídica de nível mais alto, sempre representou penhor de estabilidade do sistema e das instituições. Evidentemente, quando o sistema entra em crise e demanda rápidas reformas, todo o edifício constitucional estremece.
Suscita-se então, o problema de acomodar a Constituição à realidade em que ela se insere, servindo como instrumento regulador. Vê-se, portanto, a grande importância da interpretação constitucional, adequada à resolução das transformações sociais. Em um segundo momento, tem-se uma importância normativa dessa interpretação, que seria sua compatibilização com a Constituição, que elastece ou restringe a norma, de modo a torná-la harmônica com a Lei Maior, evitando, assim, a inconstitucionalidade.
2 OS DIREITOS HUMANOS
A diversidade de denominações referentes aos Direitos Humanos não é uma questão superada, dada a sua diversidade, tanto terminológica quanto histórica. Na medida em que os Direitos Humanos evoluem e expandem-se, tendem a ter a abrangência de seu significado também expandido.
Os Direitos Humanos têm um lugar cada vez mais considerável na consciência política e jurídica contemporânea e os juristas só podem se regozijar com seu progresso. Implicam eles, com efeito, um estado de direito e o respeito às liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda a verdadeira democracia, e pressupõem um âmbito jurídico pré-estabelecido e, ao mesmo tempo, mecanismos de garantia que assegurem sua efetiva implementação.
Os Direitos Humanos tendem a se tornar, por todo o mundo, a base da sociedade. Isso dificulta o conhecimento dos Direitos Humanos ou Direitos Fundamentais, podendo-se incorrer em tautologias, no sentido de afirmar que Direitos Humanos são os da humanidade, ou do homem. Nessa perspectiva, Luño (1995) define os Direitos Humanos como:
Un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la liberdad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordena-mientos jurídicos a nivel nacional e internacional.
É difícil, entretanto, conseguir encontrar um conceito definitivo e universal para os Direitos Fundamentais do homem, pois a definição desses direitos varia de lugar para lugar, de momento histórico para momento histórico e, principalmente, de ideologia para ideologia, tornando impossível uma conceituação fechada que almeje abranger de forma definitiva, completa e abstrata, com validade universal e absoluta, o conteúdo material dos diretos fundamentais.
Outro obstáculo para essa conceituação é a ausência de uma terminologia única e científica. Há, nesse caso, uma verdadeira confusão na linguagem. Direitos naturais, direitos do homem, direitos individuais, direitos inatos, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e Direitos Fundamentais do homem são alguns exemplos de expressões comumente utilizadas para designar os Direitos Fundamentais. Na própria Constituição, encontram-se as expressões ‘Direitos Humanos’ (art. 4o, inc. II), ‘direitos e garantias fundamentais’ (epígrafe do Título II, e art. 5o, §1o), ‘direitos e liberdades constitucionais” (art. 5o, inc. LXXI) e ‘direitos e garantias individuais’ (art. 60, §4o, IV).
Bonavides (1998: 514), após questionar se as expressões Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e direitos do homem podem ser usadas indiferentemente, esclarece que, na literatura jurídica, há um uso promíscuo desses termos, sendo que os autores angloamericanos e latinos preferem a expressão Direitos Humanos e direitos do homem, enquanto a expressão Direitos Fundamentais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.
Para Silva (1998, p.163),
[...] Direitos Fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada (...), porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção de mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.
Tentando sistematizar o significado de cada termo, o juiz gaúcho Ingo Sarlet (1998) faz uma distinção bastante interessante e didática, fundamentado nas doutrinas alienígenas mais atuais, ao referir que os ‘direitos do homem’ referem-se aos direitos naturais, ainda não positivados, enquanto os ‘Direitos Humanos’ são aqueles positivados na esfera do direito internacional e os ‘Direitos Fundamentais’, os reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo Direito Constitucional interno de cada Estado.
Há situações, todavia, em que se torna útil - ainda que seja a mero título de compreensão de certo ponto - atribuir um significado próprio aos ‘Direitos Fundamentais’ ou, conforme a preferência, ‘Direitos Humanos fundamentais’. Destarte, quando tratamos especificamente do Direito Constitucional interno, procuramos utilizar o termo ‘Direitos Fundamentais’.
No mais, acredita-se que o uso ‘promíscuo’ desses termos, em nada dificultará o entendimento substancial deste trabalho. Aliás, o próprio Sarlet (1998, p. 57) reconhece que se encontra em pleno processo de maturação a gradativa e intensa aproximação dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais, mediante a construção do que vem sendo denominado de um direito internacional constitucional, além do quê, é fácil verificar que a Constituição de 1988 tratou, de forma isonômica, todos os Direitos Fundamentais por ela consagrados, não criando mecanismos de proteção judicial a apenas determinado grupo de direitos, o que conduz à conclusão de que os Direitos Humanos são, por força do §2o, do art. 5o da Constituição Federal (1988), Direitos Fundamentais, ainda que apenas em sentido material.
Reconhece-se que a doutrina não é uníssona sendo, portanto, desnecessário enumerar as várias tentativas de definir os Direitos Fundamentais. No entanto, a despeito das querelas doutrinárias, todas as definições apontam a um mesmo rumo: os Direitos Fundamentais podem ser entendidos como a concreção histórica do princípio da dignidade humana (FARIAS, 1996, p. 17) [2].
O certo, porém, é que, nos dias atuais, o reconhecimento dos Direitos Fundamentais constitui paradigma de legitimação de regimes políticos. Nesse sentido, quanto mais um Estado procura torná-los eficazes, mais legitimidade adquire perante a comunidade internacional. Na contramão, será considerado menos democrático e legítimo o regime político que desrespeita e propicia a agressão a esses direitos (FARIAS, op. cit, p. 17).
Bobbio (1992) faz uma brilhante e clara análise histórica e conceitual, prática e teórica, dos Direitos Humanos, alertando, em uma tese realista, para a necessidade de não apenas enunciá-los, mas sobretudo de protegê-los [3]. Partindo dessa concepção, pode-se perceber que a noção de Direitos Humanos é histórica, ou seja, acompanha a evolução da sociedade em suas lutas em defesa de novas liberdades e contra a opressão dos detentores do poder, entendendo-se, assim, que os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente (BOBBIO, 1992, p. 18).
No entanto, se é certo que a gama de direitos considerados como Direitos Humanos varia de um momento histórico para outro, parece correto, também, que não se pode, com base nesse argumento do relativismo, tornar certos Estados, de culturas diversas, imunes ao controle da comunidade internacional. Isso decorre de não se poder negar que existem certos parâmetros internacionais mínimos de tolerância de violação dos direitos e liberdades individuais de caráter universal. Não se pode, também, desconsiderar a existência de categorias universais e consensuais relativas à sua fundamentalidade, tais como os valores da vida, da liberdade, da igualdade e da dignidade humana.
Dessa forma, malgrado a ocorrência de diferenças políticas e ideológicas existentes no mundo contemporâneo, os Direitos Fundamentais realizam em torno de si certo consenso de sua necessidade como valores essenciais para as sociedades contemporâneas, possibilitando, inclusive, que a Organização das Nações Unidas promulgasse a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, sem nenhum voto contrário de qualquer país.
O caráter universal dos Direitos Humanos, a cada momento, aflora mais intensamente, não podendo ser considerada como um sonho distante a expectativa de que, um dia, todos os seres humanos, cientes de tal qualidade, não divergirão quanto à necessidade de se eliminar todas as violações, por menores que sejam, aos direitos inerentes à pessoa.
Nesse sentido, em 25 de junho de 1993, a Declaração de Viena chegou a estabelecer que:
Todos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os Direitos Humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase. Enquanto o significado de particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e religiosas deve ser considerado, é obrigação dos Estados, independentemente de seu sistema político, econômico e cultural, promover e proteger todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais.
Bobbio (1992) chegou a asseverar que, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, o problema da fundamentação dos Direitos Humanos estaria resolvido, vez que ela representaria um consenso geral sobre determinados valores - consensus omnium gentium ou humani generis.
A par da relatividade histórica dos Direitos Humanos, e como consequência dessa mesma relatividade, não há como se conceber um elenco pleno e definitivo desses direitos. Alguns direitos, tradicionalmente vistos como invioláveis e absolutos, como o direito de propriedade, sofreram, no decorrer do tempo, tantas limitações que fica até difícil concebê-los como verdadeiros direitos.
Por fim, há de se resumir a conceituação dizendo que Direitos Humanos são os Direitos Fundamentais de todas as pessoas: homens, mulheres, negros, brancos, amarelos, homossexuais, índios, idosos, portadores de deficiência, populações de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, portadores de HIV, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza, trabalhadores sem terra, grupos étnicos. Todos devem ser respeitados. Mas direito humano não é só direito de não apanhar. Todos têm direito a educação, saúde, trabalho, habitação e informação com qualidade. Os Direitos Humanos são indissociáveis dos outros direitos: sociais, políticos, civis e econômicos.
2.1 Aspectos Históricos
Desde Rousseau (1712-1778), começou a expansão da noção dos direitos e das liberdades humanas. Ao afirmar que o homem é naturalmente bom, Rousseau (1983) nega a noção de que o mal lhe é inerente, sugerindo que, se o homem se torna fraco, ansioso ou infeliz é porque o meio no qual vive não é adequado à sua natureza. Para ele, o homem nasce com potencialidades que ele luta por desenvolver: se for impedido de fazê-lo, torna-se ambicioso, cheio de necessidades que o colocam em conflito com os outros homens, diante da impossibilidade de satisfazê-las.
Rousseau (op. cit.) estabelece uma estreita correlação entre a estrutura social e as condições morais e psicológicas do indivíduo, acreditando que a discórdia entre os homens advém da excessiva desigualdade de riqueza e do tamanho e da complexidade da sociedade moderna. O homem não poderia ser livre e feliz se não estabelecesse uma boa relação consigo mesmo e com os outros, o que somente poderia acontecer em uma comunidade pequena e simples, na qual todos pudessem participar em igualdade de condições das mesmas crenças, dos mesmos princípios, do estabelecimento das suas leis e do seu governo, onde haveria a possibilidade de um mundo inteligível. Em uma comunidade grande e complexa, segundo ele, surgem inevitavelmente a desigualdade e o controle de poucos sobre uma maioria passiva.
Atualmente, no Brasil, fala-se muito em Direitos Humanos, tornando-se politicamente correto e imprescindível mencioná-los. No entanto, à época da ditadura militar (1964), falar dos Direitos Humanos no Brasil era considerado um ato de subversão e seus divulgadores eram mal vistos e até execrados como ‘defensores de bandidos’ (fato que infelizmente se observa ainda nos dias atuais).
A deturpação do significado dos Direitos Humanos era proposital por parte de grupos de extrema direita, aos quais interessava a consolidação do status quo e do autoritarismo. Essas facções exploravam o medo da violência crescente e, sobretudo, a tomada de consciência das classes populares esmagadas ao longo de 21 anos de ditadura.
A acirrada incompreensão e a campanha contra os Direitos Humanos provêm do desconhecimento daquilo que eles representam ou até mesmo de posições egoístas dos interessados em manter situações de privilégios. Contudo, eles interessam a todos e a cada um em particular. Sem respeito aos Direitos Humanos, não pode haver sociedade livre, justa, solidária e tampouco democracia sólida.
Mesmo depois do fim da ditadura militar e do restabelecimento da democracia, certos setores da sociedade ainda encaram com desconfiança aqueles que defendem os Direitos Humanos. Alguns policiais ainda afirmam: “fazemos um esforço enorme para prender um criminoso e quando o fazemos, os ‘Direitos Humanos’ atrapalham tudo, pois não permitem torturar e bater”.
O Direito, no Brasil, sempre teve um conceito vago, que significou privilégios para alguns. Em seus 500 anos de história, foi o autoritarismo e não o Direito que permeou as relações na sociedade e entre ela e o Estado.
A finalidade da colonização foi o enriquecimento europeu com a exploração predatória de recursos naturais, como o pau-brasil e o ouro, e de seus recursos humanos, a mão-de-obra indígena e a negra. A escravidão, durante três séculos, forneceu mão-de-obra barata e fortaleceu o autoritarismo. Para a classe dominante, o escravo era um objeto sem necessidades e sem direitos.
O dono do escravo podia conceder-lhe regalias por mera generosidade e não, como direito ou respeito à dignidade de sua pessoa. O escravo não era nem cidadão de segunda classe, como eram consideradas as mulheres, mas meros instrumentos, cujo finalidade era o trabalho a serviço dos mais poderosos.
As populações do campo, isoladas em imensas extensões de terra e que também dependiam diretamente dos donos do poder, não cogitavam em exigir direitos, mas ansiavam por dádivas e favores. A elite, única considerada capaz de dirigir a nação e de estabelecer a ordem, forjava leis que defendiam, antes de tudo, os seus próprios interesses. Não se pode, entretanto, esquecer que a elite burocrática ainda continua dirigindo a nação e forjando leis que lhes favoreçam.
O trabalho, sutilmente, era considerado desprezível, sobretudo o trabalho manual. O preconceito vinha disfarçado e diluído em sentimentos de generosidade, calcados em uma ideia de superioridade, o que, infelizmente, ainda continua prevalecendo. O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão e ela deixou marcas profundas na cultura do país. Nessa sociedade hierarquizada, dissimulada por uma ideologia de conciliação, ‘Direito’ era sinônimo de privilégios que não alcançavam a maioria.
Com a República, a situação mudou apenas na teoria. No início do século, as greves eram tidas como ‘um acinte’ e as questões sociais, uma ‘questão de polícia’. Ocorreram progressos, mas ainda perdura no povo a ideia de que tudo se deve esperar do governo, particularmente favores, e na relação entre o Estado a sociedade ainda permeiam os critérios do paternalismo e clientelismo.
Na década de 1960, a população brasileira começou a exigir seus direitos, os militares impuseram ‘ordem’ e, inspirados na Doutrina da Segurança Nacional, instalou-se uma ditadura que durou 22 anos. Com lutas, sacrifício e dor, a sociedade reconquistou as eleições diretas e o sufrágio universal, mas os direitos sociais ainda não têm eficácia plena.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem sua gênese, frequentemente, associada à Idade Moderna, com o nascedouro do conceito dos direitos naturais. A questão desse ponto de partida, entretanto, se analisada de uma forma mais abrangente do que pelo recorte legal, apresenta uma perspectiva muito mais ampla.
Antes de seguir esse caminho, é preciso entender dois conceitos. O primeiro é a ligação direta que tiveram os legados gregos e romanos para a formação do pensamento moderno. A democracia grega ao lado do direito romano, que sedimentara a tradição judaicocristã, formam a base do pensamento ocidental. O segundo reside no fato de a Europa crescer dialogando com o Oriente, sendo o exemplo mais contundente desse fato, a convivência entre cristãos, judeus, muçulmanos e ciganos na Península Ibérica, durante a Idade Média.
CONCLUSÃO
Ao final dessas reflexões, pelas quais se procurou analisar a eficácia das normas do direito, que constituem o Direito Positivo previsto em normas (leis, decretos, regulamentos e outros dispositivos), tanto os direitos materiais como processuais podem estar positivados. Assim, só não seriam positivos os direitos naturais, aqueles que existem, mesmo que não existam as normas, como o direito à vida, que é universal e ainda que um Estado autoritário venha a suprimi-lo do seu ordenamento jurídico. O Direito Positivo é o direito posto, estabelecido pelo homem.
O direito como norma objetiva pode ser visto sob outro prisma, ou seja, pode ser enfocado como posto ou reconhecido pelo Estado que o garante, quando então se denomina direito ‘positivo’; que é o direito institucionalizado pelo Estado.
A norma constitucional é uma diretiva aos órgãos com competência normativa, por delimitar atividade dos três poderes e por restringir a ação legislativa ao assegurar os direitos e garantias individuais. Decorrem da supremacia da Lei Maior dois fatores que repercutem na sua eficácia: a reforma e o controle da constitucionalidade.
A análise de eficácia constitucional possibilita que se leia o comando normativo relacionado com outros dispositivos, com a realidade faticossocial, com os valores positivados e, ainda, com o constituinte e órgãos estatais detentores do poder normativo. Permite, assim, a verificação do papel desempenhado pelos fatores extranormativos na produção das significações jurídicas e na consecução de seus feitos.
A aplicabilidade e a eficácia da disposição constitucional são aspectos de um mesmo fenômeno, encarados sob prismas diversos: a eficácia como potencialidade e a aplicabilidade como realizabilidade. Poder-se dizer que é sintaticamente eficaz a norma constitucional que, tecnicamente, tiver condições de atuação, podendo produzir seus próprios efeitos jurídicos, decorrentes da sua incidência sobre outras normas, mesmo no âmbito temporal, revogando as que com ela forem incompatíveis, recepcionando as que não a contrariarem, condenando a repristinação ou, ainda, operando a desconstitucionalização.
Por outro lado, é semanticamente eficaz a norma constitucional que encontrar, na realidade social e nos valores objetivos, as condições de obediência, cujos efeitos jurídicos produzidos decorrem de sua incidência sobre fatos e valores a que se refere. Além disso, é pragmaticamente eficaz, a norma que, atendendo às análises sintáticas e semânticas, tiver sucesso por conter a possibilidade de produzir concretamente os efeitos a que se destina. Nesse sentido, a eficácia seria um mecanismo de controle.
Sob o prisma pragmático o importante é a relação da autoridade e as condições de aplicabilidade da norma constitucional, mesmo que ela seja regularmente desobedecida abarcando os níveis sintático e semântico. O jurista, ao estudar o problema da eficácia da norma, deverá voltar-se, não só para as relações internormativas, mas também, para a realidade social voltada aos valores objetivos ou positivos, nos quais o material normativo se insere.
Ao analisar a eficácia constitucional deverá, além de verificar quais as coordenadas normativas, fáticas e valorativas, que servem de suporte à produção de efeitos jurídicos concretos, é imprescindível ater-se à atividade do constituinte e dos órgãos estatais a que se dirige o comando constitucional.
Casos há em que a busca da eficácia requer o conhecimento do justum concreto, que não é uma aferição pessoal do aplicador, mas a ideia da comunidade. O justum é uma ideia social. A norma constitucional, portanto, deverá subordinar-se a um processo ceticoaxiológico para a consecução de seus efeitos, hipótese em que haverá harmonia entre vigência e eficácia.
A eficácia constitucional configura-se como uma relação de ocorrência entre fatos normativos, sociais e valorativos, que condicionam a possibilidade da produção de seus efeitos. A ideia de norma constitucional sem eficácia deve ser rejeitada. O conhecimento cientificojurídico deverá apreender unitária e coerentemente os dados normativos integrantes do sistema criado epistemologicamente.
O próprio sistema apresenta mecanismos para isso: ação direta de inconstitucionalidade contra ato ou omissão contrários à Constituição; medida cautelar nas representações por inconstitucionalidade oferecida pelo Procurador-Geral da República; declaração de inconstitucionalidade contra ato legislativo ou executivo por meio de via de exceção, para resolver casos concretos (mandado de injunção, habeas corpus, habeas data, mandado de segurança e ação popular); emprego dos artigos 4° e 5° da Lei de Introdução ao Código Civil (BRASIL, 2002), para a solução de lacunas técnica, ontológica ou axiológica; o respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e á coisa julgada e a revogação de normas, para prevenir conflitos normativos, que repercutem na cessação da eficácia. E se esses recursos técnicos forem insuficientes, será necessária a captação de regras de regulagem do sistema.
REFERÊNCIAS
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[1] Pródigo - pessoa sui generis que dilapida, em prejuízo dos filhos, o patrimônio recebido por sucessão legítima dos parentes paternos.
[2] Observe-se que não se trata de uma definição, mas apenas de uma percepção lógica do termo.
[3] O importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-los. Não preciso aduzir aqui que, para protegê-los, não basta proclamá-los. [...] O problema real que temos de enfrentar, contudo, é o das medidas imaginadas e imagináveis para efetiva proteção desses direitos (Bobbio, 1992: 37). No mesmo sentido Silva (1996: 169): A afirmação dos direitos fundamentais do homem no Direito Constitucional positivo reveste-se de transcendental importância, mas, como notara Maurice Hauriou, não basta que um direito seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, porque virão ocasiões em que será discutido e violado.
Auditor fiscal da Sefaz/CE. Universidade del Museo Social Argentino. Doutor
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, FRANCISCO WILLIAM PINHEIRO. O direito como norma jurídica: conceito, natureza, fundamentos, características e legitimidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 mar 2020, 05:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /54332/o-direito-como-norma-jurdica-conceito-natureza-fundamentos-caractersticas-e-legitimidade. Acesso em: 29 dez 2024.
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